Brasília, terra incógnita

Pensei em intervir. Deveria ter-lhe dito que com aquela luz ao fundo...

De bunda virada para a praça dos Três Poderes, movimentava os cabelos chapeados, ora meio de lado, ora meio de bico, orgulhosa já da imagem e sabida da hashtag.

Para quem não sabe, Brasília não é só setorizada urbanisticamente é, também, climaticamente. Binária. Quando chove, chove. Depois seca, seca, seca. Será por isso que tem tanta gente de cabelo escovado, a secura protege os frizz. Parece que não. Ouvi dizer que Brasília é responsável pelo surgimento de uma modalidade de... um estilo talvez. Práticos do cerrado chamam de estilo greco-goiano. Suponho que a denominação greco-goiana se deva a uma dimensão da formação sócio histórica da capital da província, um certo tipo de pólis sertaneja. De clara influência miamista, o estilo greco-goiano transcende o modernismo e marca fartamente arquitetura lagunar da cidade. Mas, ao que parece, marca muito especialmente, as vestimentas das senhoras. Terninhos em unicolores tons pasteis ornados com brincos e sapatos rigorosamente da mesma cor, podem incluir variações de bordados e brocados. Faculta aos homens abdômen dilatado e tintura acaju e exige das donas, fios alinhados.

​Não é todo dia que se entra num palácio. A primeira vez que entrei tentei disfarçar o deslumbramento. Um palácio modernista difere em tudo do nosso imaginário de palácio, menos na grandiosidade. Os vãos, as escadas, os painéis, quadros, o mobiliário, tudo ali me fazia pensar que talvez eu mesma não pudesse estar ali. Alheia e feliz, a infeliz insistia nas poses sem qualquer sinal de constrangimento. Naquele dia me sentia mais intrusa que nunca. Quase um ano depois do golpe o desfile dos vitoriosos, brochas, frouxos e pálidos.  Pensei em intervir, mas dali, sentada na Sergio Rodrigues, restava-me só a perversidade de imaginar que há tempos ela trabalhava no sorriso. E ele não sairia na foto.


Foto A&A: pavilhão nacional, maio/2018
“Brasília, terra incógnita" frase precisa do virginiano ZC Cardoso Jr que frequenta meu imaginário há uns vinte anos. 

Comentários

  1. Uma imensidão; uma grandiosidade, das belezas escondidas no entorno às sutilezas percebidas por poucos. Já viram as flores no Cerrado? Se o fizerem, saberão muito mais. Bem mais que a totalidade dos pelaciados; pálidos e ciados... Lhes falta alma.

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    1. Eis que encontro um lírico. Bem-vindo, Anônimo! Mi casa, su casa.

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  2. Em meios a sonhos escondidos e desejos trancados, e saber que nunca chegará o seu dia...
    "...restava-me só a perversidade de imaginar que há tempos ela trabalhava no sorriso. E ele não sairia na foto."

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  3. Este eu já conhecia ...adorei quando leu!

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