Pra não dizer que não falei do outono

Pra não dizer que não falei do outono: uma CrônicanacronicA.

Ainda criança convivia com uma sensação muito boa que hoje sei que tem nome de outono. As brisas outonais trazem um certo lirismo aos habitantes e sempre há alguém para suspirar e cantarolar os versos que aprenderam com Ed Motta (há um lugar para ser feliz, além de abril em Paris, outonuuu no Riuuuuu). Estou certa de que o outono no Rio nem sempre foi tão famoso assim, mas a canção deu nome e sobrenome a este tempo em que as cores são mais nítidas, a luz é mais suave e a temperatura mais gentil. Afinal, temos também o nosso meilleur avril.

Comecei a escrever esse texto antes da chagada d’O Vírus. Vinha falando que os tempos andavam estranhos... que no ano passado as amendoeiras só bronzearam o chão da praça Paris em setembro. Folhas caindo quando era tempo de florescer. Os ipês rosas, sempre tão pontuais nos nossos junhos, pareciam ter perdido a hora. Claro que sempre soube que isso não era uma traquinagem da natureza só pra confundir os meus sentidos. Sabia que estávamos adoecendo tudo ao redor. Mas havia uma certa bossa em pensar daquele modo e ficar correndo atrás das surpresas na cidade.

Nenhuma cidade que eu conheça faz um baile tão intenso de luz e sombra. Em Copacabana anoitece primeiro que em Ipanema. No verão, por muito pouco o sol não se põe no mar e, ao mesmo tempo, mergulha por traz do Maciço da Tijuca. Há uma hora do dia, minutos antes do sol morrer, é lançado um feixe de luz amarela iluminando somente o morro Cara de Cão (aquela pedra maior do Pão de Açúcar), como um spot... E nessas infinitas possibilidades da dança de sombra e luz que as cores desenham uma cidade ímpar: o Rio.

Preparo-me para o outono, espero por ele como as esposas no cais. Penso nas fotos, nos lugares, nos passeios e fico feliz. Hoje, distante apenas algumas semanas do início dessa escrita me dou conta de que se trata de uma crônica anacrônica.

Aqui, da janela de onde avisto o fim do mundo, a beleza permanece, mas é como se ela pertencesse a outro tempo. O tempo em que tinha menos medo e mais esperança. O tempo em que imaginei, elaborei e materializei uma compilação de músicas chamada “Rio em Sol Maior”. Era uma crônica musical em forma de CD. Mas era, principalmente, uma Ode. Se fosse fazer a seleção hoje, talvez tivesse outro tom. Nesses trópicos (tristes), a poesia anda meio sem jeito. Como visita malquista na sala de estar.

Aqui, da janela de onde avisto o fim do mundo, a beleza permanece e faz um silêncio como só ouvi em Brasília aos domingos (nunca tinha pensado nisso, mas em Brasília, eles praticam o auto isolamento faz tempo). Um silêncio, um vácuo... uma brecha para a música entrar.

Transformo “Rio em Sol Maior” em playlist no Spotfy. Da seleção original foram alteradas algumas versões das canções e acrescidas “faixas bônus” de uma trilogia carioca do Chico Buarque. Que seja belo enquanto dure.

Aqui, da janela de onde avisto o fim do mundo, a beleza permanece.

"Beija o meu Rio de Janeiro. Antes que um aventureiro lance mão”.

a playlist está aqui: https://open.spotify.com/playlist/1tGXT27AioNxXuoPUig9S1?si=v1wSNh1vRHeJ9DC_bTCcaA



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