Uma história delicada

Tempos estranhos, esses. Desafiamos qualquer realismo fantástico. Nus, crus, selvagens, cínicos e bizarros somos essa tal humanidade. Aqui do Reino da Rede Amarela fiquei pensando uma coisa que tenho pensado sempre: a delicadeza é estilingue da alma. A delicadeza suspende. Só os afetos delicados pousam a gente no silêncio, ouvindo só o pulmão. Privilégio ter um Reino onde caiba essa pensança.

Quero contar uma história delicada.

Havia um lugar de silêncio pleno, mas não era pleno de tudo, tinha o alarido dos ventos, dos matos, dos bichos e dos fantasmas nossos de cada dia. Mesmo barulhento desse jeito, era silêncio da
ausência das gentes e suas pressas e suas máquinas e suas verdades e suas crueldades.

Já tinha alguns bons pares de horas que evitava os humanos, todos tinham virado maritacas, ou eu os tratava assim: como bando alegre, ruidoso e (torcendo para que) breve. Era um pouquinho antes do almoço, o tempo indeciso em querer ser frio ou calor, quando avistei a mesinha de plástico na calçada com duas canecas de chopp. Vi Maria Helena e Jonas e pedi pra ser terceira caneca. Eles ficaram na primeira, eu agreguei duas mais. Foram dois, três, quatro... dedos de prosa e Maria Helena e Jonas passaram a compor o meu silêncio.

No dia de vir embora pedi-lhes: posso fazer umas fotos com vocês?

Fui para quarto arrumar as bagagens e marquei de encontrá-los no jardim principal. Chegando de longe vi a duplinha sentada no banco da margem da mata. Liguei a câmera e avisei. Tô chegando e filmando vocês. Maria Helena, artista, diz que aquela era uma ocasião que merecia música. Foi a música que os uniu. [Eu que ouço e penso música o tempo inteiro me dou conta de que naqueles dias não tinha nem ouvido nem cantarolado nada... deve ter sido por causa do silêncio]. Gosto da sugestão e ela vai avisando: vou cantar uma música de um compositor da sua terra que escreve muito bem e canta muito mal. O resto da história está no meu registro impreciso e emocionado do Tempo da Delicadeza.

E aqui, do Reino da Rede Amarela, posso seguir encantada.




Comentários

  1. Que maravilha minha amiga. Cada dia mais delicada nos seus alfarrábios. Um dia te conto como essa música embalou anos da minha vida.

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  2. Que preciosidade esse vídeo, Mimi. Emocionante! 💚

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