Flâneur por Hilda Hilst

Não é fácil.

A lembrança mais antiga é da matéria do Fantástico de 1979 em que ela gravava os mortos. Era estranha aquela mulher... Depois, umas imagens de uma senhora muito fumante, muito debilitada e, de novo, estranha. Nada sabia sobre sua poesia.

Não unia a Hilda Hilst dessas lembranças com a poeta que fui reencontrar muito recentemente numa seleção dos Cem melhores poemas brasileiros do século XX do Italo Moriconi. Lá está "Do desejo", lançado originalmente em 1992. Enlouqueci ao lê-la, mas não é fácil. Se um dia conseguir, falo dele: Do desejo

Hoje, ando as voltas com "Da poesia", um livro que reúne toda produção poética de HH e, como ela queria, "num volume que pare em pé, como gostam os americanos". Nele, perambulo com receio, como quem entra de visita com a sensação de que não foi convidado. Nele, me distraio em detalhes, como quem entra em um lugar incógnito, cheio de curiosidade e medo. 


E, nesse vaguear atento, paro em um fragmento de "Sobre tua grande face"

"O que me vem, devo dizer-te DESEJADO,
Sem recuo, pejo ou timidezes. Porque é mais certo mostrar
Insolência no verso, do que mentir decerto. Então direi
O que se coleia a mim, na intimidade, e atravessa os vaus
Da fantasia. Deito-me pensada de bromélias vivas
E me recrio corpórea e incandescente.
Tu sabes como nasceu a idéia das pontiagudas catedrais?
De um louco incendiando um pinheiro de espinhos.
Arquiteta de mim, me construo à imagem das tuas Casas
E te adentras em carne e moradia. Queixumosa vou indo
E queixoso te mostras, depois de te fartares
Do meu jogo de engodos. E a cada noite voltas
Numa simulação de dor. Paraíso do gozo."

Se você, como eu, pouco ou quase nada sabe da sua poesia... Toque-a, mas não é fácil.

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